Pluralidade

Quando a liberdade de ser é agredida

Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa lembra a luta pelo respeito às diversidades religiosas

Jô Folha -

Rico em diversidade, o Brasil destaca-se mundialmente pela sua pluralidade de raças, de fauna e de flora e também de religiões. Estas que movem pessoas pela sua fé, em diferentes deuses, santos, orixás e crenças, também é motivo de crimes e de intolerância e, para debater e trazer à consciência, hoje é celebrado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa no país, instituído em 2007, dez anos após a criação da lei que criminaliza a intolerância.

Dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, atualizados no último dia 18, revelam 829 denúncias recebidas pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) e 962 violações. No Rio Grande do Sul, desde 10 de dezembro de 2020, existe a Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância, sediada em Porto Alegre, entretanto, o local só acolhe denúncias da capital gaúcha.

De acordo com a titular da DP, Andrea Mattos, desde a criação, 550 ocorrências do crime foram registradas em Porto Alegre e, destas, 65% estão relacionadas à questão da cor. “Se um fato ocorrer em outro município, aí é tocada pela Delegacia de Polícia comum. [São necessários] Cursos de capacitação interna, justamente para difundir a cultura”, explica. Ela acrescenta que existe a discussão para ampliar essas delegacias especializadas para outras cidades gaúchas.

“Uma pessoa que sofreu intolerância deve procurar a polícia. Mesmo que haja dúvida, procura a polícia, registra a ocorrência que a autoridade policial vai verificar se houve ou não uma conduta criminosa, mas é sempre importante registrar e buscar a informação na delegacia de polícia”, defende Andrea.

A delegada informa que a intolerância religiosa se manifesta através da discriminação de agressão, profanação, além de ofensa à religião, à liturgia, aos cultos. O crime também tem associação a outro tipo, o racismo, tendo em vista que as maiores vítimas são cultuadores das religiões de matriz africana, e também está ligado a xenofobia, principalmente em relação às crenças e costumes dos muçulmanos.

Religião do diabo

Em Pelotas, apesar da baixa estatística apresentada pelo último Censo, feito em 2010, umbandistas e adeptos a religiões de matriz africana - os quais representam 3,3% da população -, o culto aos orixás e ancestrais é muito forte, conforme a Federação Sul Riograndense de Umbanda e o Conselho Municipal do Povo de Terreiro. Ambas representações apontam a existência de mais de mil terreiros no município.

Para conscientizar a população sobre o crime, a prefeitura, através do Conselho, organizou durante esta semana a primeira edição da Semana de Combate à Intolerância Religiosa, com objetivo de abordar temas sobre a diversidade religiosa e a liberdade de crença e organizar ações que as reconheçam. Porém, para Joabe Bohns, presidente da Federação, esse preconceito inicia com o próprio Poder Público. “Todas as vezes que queremos fazer homenagem para Iemanjá, sempre encontramos uma barreira, o que é essa barreira? É sempre ‘vamos ver o que a gente consegue’, ‘vamos ver’”, externa.

“Nos meus 70 anos de religião, sempre ouvi que a umbanda é a religião do diabo, mas por que? Onde está o diabo na nossa religião? Uma vez um padre me disse que não tem nada a ver, que criam para dar medo, como vou manter o fiel a mim? Pra mim o meu Deus é o mesmo de qualquer outro lugar, ele me castigaria se fosse uma religião do diabo”, questiona o presidente.

Ontem, quando a reportagem esteve na Federação Sul Riograndense de Umbanda, Bohns ainda compartilhou ter sofrido preconceito por uma atendente de serviços, que ao ver o nome da organização gravado na máscara de proteção, teria mudado seu comportamento com ele. “Não que eles vão me correr nem nada, mas tu sente que tu não é mais tratado como era no início. O preconceito hoje ele é muito omisso, por saberem que é crime, as pessoas te tratam de uma maneira diferente”, desabafa.

O homem bomba

Ofensas como “homem bomba” e “terrorista” já foram ouvidas por Abdul Rashid, pelotense convertido ao islamismo em 2010. Olhares e reações negativas pelas ruas, quando o takia - um tipo de chapéu usado por muçulmanos - era notado, são reparados pela mulher, que segundo ele, está sempre cuidando dele. Ela, shahada (convertida) há quase três anos, não usa o hijab por receio de agressão.

“Outra vez, estava passando um filme religioso no cinema e eu resolvi voltar para casa. Fiquei com medo, eu sentia o ódio de alguns. Fiquei com medo de ser agredido e fui embora para casa. Uma vez veio um rapaz muito educado falar comigo, dizendo que me via pelo circuito de câmeras, queria saber como era o Islã, até hoje eu não sei se foi uma curiosidade ou uma vigilância velada”, relata.

Rashid se considera um homem sempre religioso. Era católico até o divórcio, quando “ficou sem chão” e se afastou. Mas, ao retornar, já casado pela segunda vez, descobriu que estava sendo excomungado pelo segundo matrimônio. “Comecei a fazer Teologia, aí eu vi que estava no barco errado, eu me afastei de tudo, mas sempre estudando. Vi que o Islã, no meu ponto de vista, é a religião perfeita, porque ela não descaracteriza o homem por ser humano”, analisa.

“Muita gente se afastou de mim, parou de frequentar minha casa porque não tinha mais ‘bebedeira’, não tinha mais palavras de baixo calão, não tinha mais coisas fúteis, então muita gente se afastou de mim, mas muita gente se aproximou de mim”, acrescenta o muçulmano ao finalizar a entrevista para rezar, pontualmente às 16h30min.

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